Escrito em: 2022-02-25
”Há vários dias que o companheiro de Bianca, então com 30 anos, tinha por hábito sentar-se à mesa a limpar, com toda a calma do mundo, a caçadeira que dispararia, dias depois, atingindo-a a tiro no rosto. Ela congelava de medo e sentia os batimentos do coração a acelerar sempre que ele mexia em mais uma peça e a pousava abruptamente na mesa. Ameaçava-a: “Um dia destes mato-te!”. Bianca carregou o coração nas mãos até ao dia em que ele tentou cumprir a promessa. Enquanto ele a julgava morta, Bianca era submetida a duas cirurgias de reconstrução facial. Precisou depois de fazer terapia da fala e demorou alguns meses até conseguir mastigar os alimentos. Agora, sai à rua com várias camadas de maquilhagem para disfarçar a cicatriz que a vai acompanhar toda a vida.”
A propósito do trabalho desenvolvido e das perícias médico-legais feitas na área da Violência Doméstica e Violência de intimidade, Ana Rita Pereira, médica coordenadora da Honnus, dá o seu contributo neste artigo intitulado “Histórias de vida marcadas pelo terror” escrito pela jornalista Susana Pinheiro.
“Muitas das vítimas também ficam com marcas físicas para toda a vida, como cicatrizes depois de terem sido atingidas a tiro, como aconteceu com Bianca. A médica legista Ana Rita Pereira que, na altura, trabalhava no Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), foi chamada de urgência para fazer o exame forense e recolher provas para depois condenar o agressor em tribunal pelos crimes de tentativa de homicídio e de violência doméstica.
Bianca esperava-a num quarto do hospital, deitada na cama, postura fechada, corpo encolhido. O rosto desfigurado, coberto de pensos pós-operatórios, duas cirurgias de reconstrução facial depois. “Apontei detalhadamente todo o relato da vítima, medi, fotografei e tipifiquei as lesões no rosto”, recorda a médica legista que, entretanto, criou uma empresa de perícias forenses e outros serviços. Admite, contudo, que lhe custou bastante. “Sempre consegui separar o profissional do pessoal. Mas há casos que nos marcam, como este que nunca esqueci.”
Ana Rita Pereira chegou a fazer mestrado com investigação científica, numa perspetiva médico-legal, em 2012. “Realizei o primeiro estudo nacional e retrospetivo de autópsias médico-legais com uma amostra de 62 mulheres vítimas de homicídio, no contexto de uma relação de intimidade.” Mergulhou em três anos de casos comprovados judicialmente e com base na casuística do INML. “Já na altura, a maioria das mulheres era morta com arma de fogo”, recorda.”
O artigo, em exclusivo para assinantes, pode ser consultado aqui.
Na Honnus damos apoio neste tipo de situações com avaliações médico-legais a vítimas de agressões, violência doméstica, maus-tratos, violência sexual, bullying ou mobbing contra adultos, crianças e jovens ou idosos.
Médica coordenadora da Honnus