Como enquadrar as perturbações da memória numa perícia?

Evento Avaliação Pericial Dano Mnésico

Escrito em: 2019-02-13

Como enquadrar as perturbações da memória numa perícia?

O dano mnésico em contexto de traumatismo crânio-encefálico (TCE) pode ter causa orgânica ou psíquica. Em termos médico-legais, a avaliação pericial nos casos se suspeite de alterações nas funções cognitivas inclui as seguintes fases:



1. Entrevista

 

A avaliação médica da pessoa inicia-se com uma colheita da história do evento traumático onde devem ser explorados:

 

enquadramento do acidente

história de TCE com ou sem perda de conhecimento

amnésia

evolução das queixas agudas do foro cognitivo

acompanhamento e tratamentos do foro psíquico



2. Elementos clínicos

 

Dos dados documentais extraem-se:

 

lesões orgânicas crânio-encefálicas e resultados dos exames complementares

lesões físicas pós-traumáticas

períodos de défice temporário

antecedentes pessoais 



3. Queixas funcionais e situacionais

 

O dano mnésico pode resultar de alterações exclusivas da memória ou ser enquadrado noutras perturbações psíquicas, sendo necessário pesquisar alterações da memória a curto ou longo prazo e queixas a nível de:

 

consciência

afetividade

cognição

comportamento 

comunicação 



4. Exames complementares

 

Segundo as lesões iniciais e queixas da pessoa, no dano mnésico pós-TCE pode ser necessária uma avaliação complementar especializada para identificar o dano e quantificar o deficit de memória.



5. Nexo de causalidade

 

Correlaciona o traumatismo e o dano mnésico, sendo particularmente desafiante em casos com estado anterior com perturbações cognitivas prévias e/ou em pessoas com idade superior a 65 anos.



6. Danos temporários

 

Os períodos de incapacidade temporária absoluta (ITA) e parcial (ITP) em direito do trabalho, bem como períodos de défice funcional e repercussão a nível profissional em direito civil, são prolongados, sendo que a data de consolidação obriga a períodos mínimos de persistência de sintomas. 



7. Danos permanentes

 

A incapacidade permanente parcial (IPP) para a profissão conforme a tabela de direito do trabalho (TNI) e o défice funcional permanente baseado na tabela de direito civil (TIC), resulta do dano mnésico exclusivo ou enquadráveis noutras perturbações como:

 

síndrome pós-concussional

PSPT

perturbações da personalidade

epilepsia

 

A repercussão na atividade profissional em direito civil e a eventual proposta de incapacidade dependem da capacidade de trabalho restante, profissão exercida com exigências intelectuais e formação prévia noutras áreas.

 

Em termos de ajudas permanentes, devem ser previstas para manter o quadro sequelar e evitar o seu agravamento, sendo que, em contexto de direito do trabalho, é sempre possível reabrir o processo de acidente em caso de agravamento.

 

Em casos de perturbação de memória, a avaliação pericial médico-legal implica relacionar as lesões iniciais, elementos cínicos, queixas cognitivas ou mnésicas da pessoa, com o complemento de perícias especializadas. 

 

O dano mnésico deve ser objeto de uma avaliação global e personalizada, mantendo em mente que o perfil e predisposição psicológica da pessoa, o enquadramento sociocultural, apoio familiar, reabilitação cognitiva e reintegração profissional podem resultar em incapacidades distintas.

Escrito por
Ana Rita Pereira
Ana Rita Pereira

Médica coordenadora da Honnus

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