
A saúde individual e pública dos portugueses tem sido o principal tema de notícia nestes meses de pandemia. No entanto, e apesar desta grande quantidade de informação, será que conhecemos a fundo o estado da saúde das empresas portuguesas em tempo de pandemia?
É crucial que as organizações públicas e privadas estejam preparadas para a COVID-19 e que se adaptem a este novo mundo de teletrabalho e de normativas quase diárias para evitar o contágio. A questão impõe-se: Como podem os empresários, sem um apoio consistente da Medicina e Segurança no Trabalho, gerir colaboradores e um regresso seguro ao trabalho?
Nesta era global, algo microscópico como um vírus é capaz de se alastrar a um ritmo alucinante. A pandemia da COVID-19 causou uma paralisação social e económica sem precedentes e revelou a fragilidade do sistema corrente. A crescente globalização, a destruição da diversidade biológica, o consumismo compulsivo, o stress do dia a dia e o capitalismo desenfreado adormeceram abruptamente. Dizem que o mundo não para, mas parou. E mudou para sempre.
A transformação digital impôs-se em vários sectores de atividade de forma súbita, afetando todos, independentemente da idade, classe económica ou literacia digital. O online passou a ser regra e as relações interpessoais não mais serão as mesmas.
Dado este novo cenário, tentámos perceber junto das empresas como estas se estão a adaptar à crise e quais os principais desafios e limitações em termos médico-laborais. Quisemos saber como gerem os seus colaboradores e equipas para evitar o contágio, sem perder atividade e operância, que responsabilidades médicas e legais têm que enfrentar e se os seus planos de contingência são operacionais.
O inquérito lançado ao tecido empresarial nacional – público e privado – revelou um elevado grau de insegurança dos gestores em diversos temas médico-laborais.
O estudo feito à saúde de 400 organizações, desde micro a grandes empresas, mostrou que a grande maioria adotou o teletrabalho, incluindo metade delas de forma exclusiva. Destas empresas, mais de metade referiu não ter mecanismos para monitorizar a saúde dos seus tele-colaboradores.
Apesar da maior parte das empresas ter plano de contingência (85%), plano que é de carácter obrigatório, e de reconhecerem a sua importância, as organizações não sabem como monitorizá-lo e admitem insegurança na prevenção do contágio.
A grande maioria das empresas inquiridas referem que o seu Serviço de Saúde e Segurança no Trabalho (SST) se resume a um apoio externo pontual ou é inexistente. Este facto explica as incertezas significativas, por parte dos gestores, sobre como proceder médico-legalmente em casos de infeção, isolamento profilático ou voluntário, reveladas pelo estudo.
Em suma, podemos concluir que mesmo as empresas que se presumem preparadas, não possuem toda a informação para proceder corretamente e precisam de mecanismos práticos para abordar este novo paradigma. Dados integrais do inquérito disponíveis.
Estes primeiros resultados tornaram-se objeto de um e-book médico-jurídico pioneiro realizado por uma equipa de médicos e advogados. A intenção do e-book da Honnus é colmatar as necessidades sentidas pelas empresas, contribuindo para a manutenção da atividade das empresas, através da redução de contágio em ambiente laboral e da prevenção de problemas legais. No documento são abordados temas como:
- a obrigatoriedade dos planos de contingência – preferencialmente personalizados e efetuados em colaboração com médicos do trabalho – que são cruciais para preparar as organizações na gestão de casos suspeitos
- a reorganização da atividade – identificar atividades indispensáveis e potencial teletrabalho, reajuste de horários e equipas, protecção de colaboradores suscetíveis – que contribui para mitigar o contágio
- o aumento substancial do trabalho à distância – muda radicalmente o paradigma das responsabilidades médico-laborais dos empregadores, obrigando à desafiante monitorização remota da saúde física e psíquica dos colaboradores
- acidentes de trabalho, doença profissional, invalidez ou morte com relação, direta ou indireta com COVID – trazem possíveis responsabilidades acrescidas aos gestores se não forem acauteladas medidas de prevenção
- a difícil gestão do retorno ao trabalho, incluindo formação dos colaboradores e apoio sustentado da Medicina e Segurança no Trabalho – para evitar novas paralisações e novos surtos de doença na comunidade
Serão múltiplos os desafios e sequelas desta crise. Somos forçados, dado este inédito panorama, a antever os possíveis novos paradigmas de um mundo empresarial pós-COVID-19:
- ser necessário para os colaboradores ter um certificado de imunidade para retomar a sua vida normal profissional
- serem atribuídos às empresas selos de certificação quando a sua taxa de colaboradores infetados ou de quarentenas compulsivas da empresa é mínima, sendo atestadas como empresas saudáveis e seguras
- ser necessária uma atualização constante dos planos de contingência de acordo com as diretrizes recomendadas e conforme a reorganização do trabalho
- as organizações aumentarem a sua literacia em saúde e não dispensarem o apoio da Medicina do Trabalho e Técnicos de Segurança como parte fundamental na gestão do negócio
- verificar-se um aumento definitivo do teletrabalho e da flexibilização do trabalho, sendo as relações pessoais presenciais altamente selecionadas
- as organizações públicas e privadas, tal como as conhecemos, entrarem numa disrupção tecnológica sem precedentes
- as empresas mudarem a sua identidade e cultura institucional
Mais que nunca, confrontados com um futuro altamente incerto, é crucial prepararmo-nos e mantermo-nos informados. Com compromisso, engenho, otimismo e perseverança confirmaremos o velho adágio, This too shall pass.
Ana Rita Pereira | Médica legista | Honnus